terça-feira, 19 de agosto de 2008

Governo prepara estratégia para ciclo de PIB magro

Para 2009, trabalha-se com crescimento abaixo dos 4%

Para 2010, ano da sucessão, Lula cobra uma ‘retomada’

BC e Fazenda, no mesmo barco, remam em desarmonia


Em seus diálogos privados, Lula revela preocupação com perspectiva de ter de conviver com o dissabor da desaceleração da economia.

O presidente busca no conflito que permeia as relações entre Banco Central e Fazenda um meio-termo capaz de salvar o seu projeto político de 2010.

Dá-se de barato no governo que PIB como o de 2007 –5,4%—é algo que Lula não verá mais no período que lhe resta de mandato.

Trabalha-se com a perspectiva de algo entre 4,8% e 5% para 2008. Em 2009, sob os efeitos da política de engorda dos juros, teme-se que o PIB fique abaixo de 4%.

Lula cobra uma reversão para 2010. Receia que o crescimento miúdo envenene o seu principal projeto pessoal: fazer o sucessor.

Um projeto que, na cabeça de Lula, está escorado num tripé: a escolha do nome certo, a preservação dos "investimentos sociais" e a exibição de vigor na economia.

Há quatro dias, em reunião com os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento), o presidente definiu a meta de superávit fiscal para 2009.

Decidiu-se repetir os 4,3% do PIB fixados para 2008. Uma taxa que já havia sido tonificada em 0,5%. Antes, era de 3,8% do PIB.

O superávit fiscal é a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública. O BC queria mais. Lula deu de ombros.

O índice de 4,3% será anotado no Orçamento de 2009. Uma peça que o governo remeterá ao Congresso no final de agosto.

Um pedaço da equipe do BC enxerga outro equívoco na estratégia da Fazenda. Acha que o esforço adicional do superávit deveria ser usado no abatimento da dívida.

Mantega, porém, mantém de pé o plano de fornir o que chama de “fundo soberano”. Acha que o governo precisa dispor de uma reserva que lhe permita definir estratégias para o período de vacas magras da economia.

Estima-se que, até dezembro de 2009, as arcas do tal fundo guardarão algo entre R$ 30 bilhões e R$ 35 bilhões.

Embora não haja clareza quanto à destinação que será dada a esse dinheiro, Lula encantou-se com a idéia de manter ao alcance das mãos uma poupança estratégica.

Em contrapartida, o presidente dá corda ao Banco Central na administração da política monetária, submetida a uma fase de engorda dos juros.

Nessa matéria, faz ouvidos moucos para o time da Fazenda, que advoga moderação nos juros. A inflação, segundo os defensores dessa tese já seria cadente.

A paulada desferida pelo BC –alta da taxa Selic de 11,25% para 13% desde abril—já seria suficiente para baixar a crista da carestia.

Em nome da redução dos efeitos do veneno sobre as taxas de crescimento, o BC poderia adotar, na visão da Fazenda, uma estratégia mais gradual.

Com o aval de Lula, Henrique Meirelles e sua diretoria remam em direção oposta. Planejam novas altas dos juros para as próximas reuniões do Copom, o Conselho de Política Monetária.

Avaliam que a opção pelo gradualismo emitiria sinais invertidos para o mercado. O BC quer porque quer devolver as taxas de inflação para o chamado “centro da meta” já em 2009.

A meta inflacionária é de 4,5%, com tolerância de dois pontos para o alto ou para baixo. Em 2008, a despeito dos juros, a meta deve furar o teto de 6,5%.

No ano que vem, o BC fará o que estiver ao seu alcance para arrastar o índice de volta às cercanias dos 4,5%, o centro da meta.

Prevalece no BC o entendimento de que um eventual afrouxamento imporia riscos que não vale a pena correr. Entre eles a ressurreição de uma corrida dos salários atrás dos preços.

Fenômeno muito comum no Brasil pré-Real. Tem um nome que assusta os brasileiros entrados em anos: indexação. Quem já experimentou conhece o sabor amargo que o desarranjo tem.

Henrique Meirelles assegura a Lula que o 2010 vistoso que ele deseja depende da administração do remédio amargo. A alternativa ao rigor seria o descontrole.


Fonte: Folha/Blog do Josias

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