terça-feira, 1 de julho de 2008

Exportadora de petróleo, Argentina vive desabastecimento de gasolina

O prefeito de uma cidade da província argentina de Santa Fe explicava esta semana o que parece uma piada. "Percorremos os postos de gasolina de nossa província procurando 'nafta' [gasolina], até que chegamos a Buenos Aires e perguntamos ao atendente: 'Tem combustível?' O homem ficou olhando para nós como se estivéssemos loucos e respondeu: 'Mas o que você quer que tenha? Isto é um posto de gasolina!'"

Nem a pergunta do prefeito era uma brincadeira nem o frentista tinha motivos para estranhar. Depois de três meses e meio de conflito entre o setor agrário e o governo argentino, a crise vive uma trégua, depois da retomada das negociações. Na semana passada o bloqueio de estradas e a greve de caminhoneiros intensificaram o desabastecimento de combustíveis em muitas cidades, especialmente nas províncias de Córdoba e Santa Fe, eminentemente agrícolas. A escassez de gasolina também foi notada em Buenos Aires, e ainda ontem os proprietários de postos se queixavam da falta de diesel.

No entanto, encher o tanque do veículo se transformou em uma verdadeira aventura na Argentina, independentemente da greve no campo, pois o problema vem de muito antes. Algo que os argentinos não conseguem compreender, levando em conta que até este mesmo ano o país era exportador líquido de petróleo, e, portanto se auto-abastecia.

As quatro principais empresas de petróleo instaladas na Argentina (Repsol YPF, Shell, Esso e Petrobras) sempre alegam que se trata de um problema dos distribuidores, mas a realidade é que encher o tanque se transforma em uma odisséia.

Nem mesmo em um domingo qualquer, quando o tráfego asfixiante dá um alívio à Rainha do Prata, pôr gasolina é fácil em Buenos Aires. Em um dos maiores postos de serviço da YPF na capital portenha, situado no cruzamento das avenidas Leandro N. Alem e Córdoba, são comuns as filas de carros que dobram a esquina do posto para reabastecer. Depois da espera, o motorista resignado está preparado para qualquer coisa.

"No máximo 50 pesos!" é uma das advertências mais comuns que os atendentes gritam. Isso é ter sorte, pois a 2,3 pesos (0,50 euro) por litro de "super" muitos utilitários podem encher meio tanque. Também pode ser que não haja da super. "Só há Fangio!", exclama o atendente em outro dia, referindo-se ao combustível de maior octanagem (98) e preço, que a YPF batizou com o nome de Juan Manuel Fangio, o campeão mundial de Fórmula 1 argentino.

"Não há diesel!" é outra frase habitual, além de ser quase impossível pagar com cartão de crédito em muitos postos, em conseqüência da guerra de margens comerciais entre distribuidoras e produtoras, diante do rígido controle de preços exercido pelo governo.

A escassez de gasolina não afeta só a YPF, marca hispano-argentina que possui mais da metade do mercado e controla 1.600 dos 4 mil postos de serviço do país. Pode-se comprovar isso percorrendo a longuíssima Avenida Rivadavia, que com 35 km de comprimento divide Buenos Aires em dois.

A Rivadavia está cheia de postos. Em um da Petrobras, na altura do nº 3000, não há limite de abastecimento, mas só há gasolina super. Um pouco mais acima, um posto Shell oferece abastecimento limitado mas tem toda a linha de combustíveis - menos diesel -, talvez porque mantém preços sensivelmente superiores à concorrência. Mais acima, um Esso ficou sem mercadoria. "Não temos nada até amanhã, quando vem o caminhão", diz o frentista. "Volte amanhã!", insiste com ressonâncias que estamos preparados para escutar da boca de um burocrata argentino, mas nunca de um frentista.

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