terça-feira, 22 de julho de 2008

A extrema-direita austríaca

A Grande Coalizão fracassa e deixa espaço para os radicais
O mandato do chanceler austríaco, Alfred Gusenbauer, terminou em fiasco em meio a lutas internas, erros táticos e seu próprio excesso de expectativa. O populista Partido da Liberdade, de extrema-direita, sairá beneficiado: ele tem boas perspectivas em Viena pela primeira vez desde a era de Jörg Haider.

Foi a última vez que os dois times políticos se encontraram, pelo menos com suas atuais formações. A Alemanha e a Áustria tinham enviado a nata de seus respectivos governos para uma cúpula entre as grandes coalizões dos dois países, realizada em 16 de junho no Estádio Ernst Happel em Viena. Os chanceleres, vice-chanceleres e ministros da Defesa dos dois países -conservadores e social-democratas- estavam lá.

Disputas nas respectivas frentes internas, queixas sobre impasse político e temores sobre eleições antecipadas foram momentaneamente esquecidos. O futebol estava na agenda. A Alemanha venceu a Áustria por 1 a 0. Para o homem pesadão de cachecol vermelho e branco sentado ao lado da chanceler alemã, Angela Merkel, era um sinal do que estava pela frente.

Poucas horas antes, Alfred Gusenbauer, 48, tinha sido obrigado a renunciar da liderança do partido. Agora seu verdadeiro emprego dos sonhos, o de chanceler, também está prestes a acabar. No mês passado o conservador Partido do Povo da Áustria (OVP) declarou que sua coalizão com os social-democratas havia fracassado. Gusenbauer anunciou que não tentará a reeleição.

Mas seria também um sinal para a Alemanha e para Angela Merkel? Em cada país, o último mandato de governo havia sido marcado por uma estranha "grande coalizão" entre os maiores partidos de esquerda e direita. Em Viena e Berlim, ambos atacaram problemas semelhantes: reforma da saúde, reforma fiscal e das aposentadorias e redistribuição de responsabilidades entre os governo federal e estaduais. Na Áustria, porém, os partidos da coalizão conseguiram concordar apenas sobre questões menores, como diminuir a idade dos eleitores para 16 anos e prorrogar o período legislativo.

Mas o paralelo entre os dois países pode parar na saída política de Gusenbauer. Sua queda do poder mostra a diferença entre Merkel, uma especialista na matemática do poder, e seu homólogo inteligente mas sem objetivos de Viena.

Gênio e mediocridade
Em fevereiro, meses antes de ser demitido, Gusenbauer deu à população austríaca uma previsão sombria em uma entrevista ao jornal "Falter", de Viena. Escolhendo palavras do último discurso de Saint-Just em defesa de Robespierre, Gusenbauer disse: "A coalizão da mediocridade está levando o gênio ao patíbulo".

Havia uma clara sensação dentro da coalizão de quem seria o gênio: Gusenbauer. Documentos secretos detalhando planos para derrubar o governo foram revelados em Viena no mês seguinte. Os conspiradores vinham do campo do partido conservador, rivais de Gusenbauer na coalizão. Mas em abril o próprio partido de Gusenbauer, o SPO, estava em turbilhão. Ele logo foi substituído como líder do partido e a coalizão desmoronou.

Hans Dichand ficou satisfeito. Aos 88 anos, o poderoso editor do jornal "Kronen-Zeitung" ainda é o supremo formulador de campanhas políticas na Áustria. Dichand vinha escrevendo artigos de opinião há meses sob o pseudônimo de "Cato" contra o novo Tratado de Lisboa da União Européia. Ao assinar esse documento o governo havia sacrificado a soberania do país, afirmou Dichand. Ele é uma figura de proa do movimento anti-UE na Áustria, e a queda de Gusenbauer é seu triunfo.

Ainda em junho passado, assessores advertiram Gusenbauer para não ser puxado por um "anel no focinho" à redação do jornal só para aumentar sua popularidade entre os austríacos. Mas 43% dos austríacos lêem o "Kronen-Zeitung", e pesquisas de opinião recentes mostraram que o chanceler tinha apenas 16% de aprovação. Então o chanceler assinou uma carta-aberta a Dichand, anunciando referendos para futuros tratados da UE. Foi uma virada de 180 graus para Gusenbauer.

Dichand reconheceu esse gesto de submissão e agradeceu ao chanceler, usando o plural majestático: "Nós nos reforçamos, enquanto calmamente continuamos na luta por nossa pátria, a Áustria, com novos amigos". Pouco tempo depois, Gusenbauer viu seu velho amigo Werner Faymann -que, como ministro da Infra-estrutura, era anunciante diário no jornal de Dichand- promovido a candidato do SPO para chanceler nas novas eleições deste ano, marcadas para 28 de setembro.

Gusenbauer tinha sido punido por comer a torta de humildade.

A ascensão da direita
O chanceler é um político tarimbado. Os bem-intencionados interpretam sua queda como desajeitada, enquanto todos os outros a atribuem a uma falta de inteligência social. Na verdade há muitos motivos para o fim prematuro da carreira política de Gusenbauer.

Primeiro, ele teve um relacionamento problemático com líderes do partido no interior. O alinhamento de luminares do SPO nos nove estados da Áustria é chefiado pelo esperto Michael Häupl, prefeito de Viena nos últimos 14 anos. Ele é um ótimo porta-voz da opinião popular, e depois das dolorosas derrotas do partido nas eleições estaduais Häupl e outros acharam que Gusenbauer poderia prejudicar suas perspectivas de reeleição.

Como o chanceler solitário também teve brigas com líderes sindicais, estudantes e poderosos membros da mídia durante seus breves 18 meses no cargo, ele perdeu o apoio necessário para sua batalha contra o verdadeiro inimigo, seu parceiro de coalizão, o conservador OVP. Sob a discreta liderança de Wolfgang Schüssel, o OVP foi mais hábil nos jogos táticos.

Autoridades do SPO dizem que Gusenbauer subestimou grosseiramente a influência do ex-chanceler conservador, que ainda acredita que seu surpreendente fracasso na reeleição em 2006 foi um erro, e que diariamente deixou claros seus sentimentos para o parceiro de coalizão. Eles estão convencidos de que Gusenbauer acreditava ser capaz de "moderar" o trabalho de governar, mas foi "levado à lavanderia".

Enquanto isso, o populista Partido da Liberdade da Áustria (FPO), de direita, liderado por Heinz-Christian Strache, mergulhou nas fileiras dos trabalhadores, dos desempregados e aposentados enérgicos que passam os dias se queixando do aumento dos preços e das disputas por poder dos "grandes partidos". Strache e seu FPO têm taxas de aprovação nacionais de 20%. O jovem político novato -que certa vez encenou jogos paramilitares com amigos entusiastas de armas nas florestas do estado austríaco da Caríntia e foi afiliado ao hoje banido grupo neonazista Juventude Viking- usa métodos comprovados para conquistar o apoio popular. Ele pede mais serviços sociais para os necessitados, rebela-se contra as "ordens" de Bruxelas e investe contra os estrangeiros usando slogans como "Daham statt Islam" (Lar, não islã) e "Deutsch statt nix versteh'n" (Alemão, e não "eu não compreendo").

O mentor político de Strache, Jörg Haider, transformou o FPO no segundo maior partido do país usando uma retórica semelhante há menos de nove anos -e ajudou a tornar Wolfgang Schüssel chanceler. Depois da eleição de setembro, Strache espera influenciar na formação de um novo governo. E suas perspectivas são boas.

O hábito da Grande Coalizão
Entre as bizarrices da política austríaca nos últimos 20 anos estão os fortes ganhos obtidos pelo FPO, de extrema-direita, em tempos de grandes coalizões. Eles são tão significativos que o melhor que os austríacos podem esperar, se quiserem manter o FPO fora do governo, é uma volta à grande coalizão. Wolfgang Schüssel chegou a uma conclusão diferente em fevereiro de 2000 -ele trouxe os seguidores de Haider para seu governo. O sucessor de Schüssel, Wilhelm Molterer, está mantendo todas as opções em aberto para setembro.

Na Alemanha, as grandes coalizões são consideradas um compromisso raro, inerte e infeliz. Na Áustria elas são a regra geral, e durante mais da metade do período pós-guerra os dois partidos populares governaram o país em conjunto. Em conseqüência, a Áustria viu décadas de calma social e apenas reformas cautelosas.

Durante décadas, porém, o filósofo social Norbert Leser criticou a mega-coalizão do OVP com o SPO, que se tornou o Estado austríaco, como o símbolo de uma "democracia cativa". Leser afirma que ao reforçar o centro -onde os benefícios do governo são acumulados- a grande coalizão impele muitos eleitores insatisfeitos para as margens.

Mas não há sinal de uma mudança imediata. Depois que os eleitores se manifestarem, em 28 de setembro, um ávido defensor das grandes coalizões dará as cartas: Heinz Fischer, o presidente austríaco, um homem que há quase meio século vive na órbita do poder na Áustria.

Fischer conseguiu durante décadas ficar "no topo em meio a uma montanha de cadáveres políticos", escreve Leser; por causa de seu cargo, ele poderia atrapalhar qualquer coalizão que quiser. No outono de 2006 ele se recusou a aceitar um governo minoritário do SPO em uma coalizão com o Partido Verde e o FPO.

Strache, por outro lado -um eloqüente jovem de direita- está convencido de que a ascensão do FPO ao poder é há muito inevitável. Durante a "implosão do governo" orquestrada pelo OVP, diz Strache, o SPO de certa forma conseguiu perder o chanceler. Mas Strache não perdeu sua língua viperina. Em maio passado ele disse que o "bon-vivant" Gusenbauer, depois de deixar a política, poderia pelo menos dar seu nome a um vinho tinto.

Que tipo de vinho tinto?

"Com um toque pesado no fim", disse Strache.

Fonte: UOL/Der Spiegel

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