sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A Europa precisa combater o ostracismo contra os ciganos, diz Soros

A União Européia talvez seja o melhor exemplo do que vem a ser uma sociedade aberta, capaz de incorporar valores tais como a cooperação, a tolerância e as liberdades. Entretanto, a marginalização das comunidades de ciganos, os quais constituem a mais importante minoria da Europa, representa um dos fracassos mais fragorosos da União na sua ambição de fazer jus ao seu status de sociedade aberta.

No decorrer dos últimos anos, muitos foram os Estados da Europa do Leste que se tornaram integrantes da UE e, com isso, passaram a desfrutar de verdadeiros sucessos econômicos e políticos. Contudo, esses progressos contribuem para evidenciar ainda mais as nítidas disparidades que permanecem, e particularmente aquela, flagrante, da situação das populações de ciganos. Nesses novos Estados-membros, os ciganos não foram beneficiados pela incorporação à UE. Além disso, os eventos que ocorreram recentemente na Itália, entre os quais a adoção da lei que autoriza colher as impressões digitais dos ciganos, e ainda o ataque de acampamentos ciganos em Ponticelli, em maio, estão aí para nos lembrar da triste realidade à qual estão confrontadas essas comunidades.

Na esteira da primeira Cúpula européia dedicada aos ciganos, e porque ela tem o dever de honrar a promessa feita pelo presidente José Manuel Barroso, a Europa deveria daqui para frente incluir a situação crítica dos ciganos na sua ordem do dia, e empenhar-se em apagar finalmente os sintomas desta discriminação flagrante. No momento em que faltam quatro meses para o encerramento da sua presidência da UE, a França, que conta mais de 500 mil ciganos em seu território, deveria valer-se do impulso criado pela Cúpula para desenvolver iniciativas próprias para viabilizar sua inserção social e sua autonomização.

De maneira mais específica, os dirigentes da UE precisam tirar vantagens da instituição da Década da inclusão dos ciganos. Esta iniciativa que foi tomada pela fundação que eu dirijo, a Open Society Foundation, em parceria com o Banco Mundial e os governos de oito países da Europa central e sul-oriental, contribui para derrubar as barreiras que os ciganos precisam enfrentar nos setores da educação, do emprego, da saúde pública e da habitação.

A Década da inserção dos ciganos está no cerne das atividades da minha fundação, no quadro da qual eu investi mais de US$ 100 milhões (cerca de R$ 190 milhões) para viabilizar projetos que visam a garantir a igualdade e a justiça para as suas comunidades, assim como a sua inclusão na Europa.

A Década da inclusão dos ciganos constitui o meio mais adequado para se obter avanços em relação aos objetivos comuns de autonomização e de integração das suas comunidades. O poder de arrebatamento da "Década" vem se revelando cada vez maior, pois ela atraiu recentemente a participação de novos Estados, entre os quais a Espanha, a Bósnia-Herzegovina e a Albânia. Entretanto, nem sempre foi fácil colocar este processos para funcionar, e, sobretudo, ele continua precisando de mais apoios e de uma maior participação.

Os preconceitos contra os ciganos que se disseminaram na maior parte dos países europeus acabaram comprometendo a vontade dos governos nacionais de favorecerem a sua inserção. Além disso, algumas lideranças políticas européias contribuem para atiçar o problema, explorando o racismo anti-ciganos e transformando injustamente as comunidades ciganas nos alvos de medidas contra a criminalidade. Até mesmo os políticos íntegros carecem com freqüência da coragem para se expressarem publicamente a respeito dessas questões, muito pouco populares. Muitos são os ciganos na Europa que ainda estão se defrontando como enormes obstáculos, e não existe nenhuma solução rápida para desarmar os preconceitos e superar a herança de uma marginalização que é muito antiga.

Coordenação política

Eu pude constatar pessoalmente as condições pavorosas e desumanas nas quais tantos ciganos vivem atualmente. O nível de vida das suas diferentes comunidades desmoronou. A sua vida era melhor na época do comunismo, quando o governo ao menos lhes fornecia serviços fundamentais tais como a moradia e o emprego.

Contando com uma coordenação política de alto nível, garantida pela Comissão Européia, a UE pode nos ajudar a realizar os objetivos ambiciosos da "Década". Nós compartilhamos os mesmos objetivos, e, juntos, precisamos reunir os nossos recursos políticos, intelectuais e financeiros de modo a alcançá-los. A UE conseguiu galgar degraus consideráveis com os seus fundos estruturais. Agora, ela precisa contar com o processo da "Década" para consolidar a sua abordagem, politicamente e economicamente. Por sua vez, a "Década" necessita das competências e das contribuições dos governos que dela são membros e filiados, das autoridades locais, das empresas e da sociedade civil. Juntos, nós podemos aumentar o nosso impacto e integrar os ciganos numa Europa mais forte e mais unida.

Fonte: UOL/Le Monde

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