terça-feira, 16 de setembro de 2008

Dois candidatos, duas abordagens em relação a Wall Street

A crise em Wall Street fará com que o próximo presidente se defronte com escolhas difíceis quanto à melhor forma de regular o sistema financeiro, e embora nem Barack Obama nem John McCain tenham apresentado ainda um plano detalhado, a história pessoal e os princípios revelados por cada um deles até o momento sugerem que os dois poderão abordar a questão de maneiras bastante diferentes.

Na segunda-feira (15), durante a campanha, McCain, o candidato republicano, apelou para um tom populista. Discursando na Flórida, ele disse: "Os fundamentos da economia continuam fortes, mas eles encontram-se ameaçados devido à ganância de alguns indivíduos de Wall Street, e nós vamos consertar isso".

Mas o seu histórico em relação ao problema e as visões daqueles que ele sempre citou como sendo os seus mais influentes assessores sugerem que McCain jamais abandonou de forma significativa a opção do seu partido pela desregulação e pela confiança nas forças de mercado, e pelo repúdio a uma imposição de disciplina por parte do governo.

Embora McCain tenha citado a necessidade de fiscalização adicional quando se trata de situações específicas, como os problemas das hipotecas que são a origem dos atuais choques em Wall Street, ele apresenta-se consistentemente como sendo fundamentalmente um aplicador da desregulação. Além disso, antes da campanha presidencial, ele nunca defendeu medidas com o objetivo de submeter as firmas de investimentos a regras mais rígidas.

Em relação às questões financeiras, McCain norteou-se freqüentemente pelas opiniões de dois defensores declarados das abordagens que privilegiam o livre mercado, o ex-senador Phil Gramm e Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Indivíduos associados ao Merrill Lynch, que vendeu-se ao Bank of America durante a turbulência do mercado da última semana, forneceram quase US$ 300 mil à campanha de McCain, o que se constitui na maior contribuição coletiva à campanha do candidato republicano.

Na segunda-feira Obama procurou atribuir a crise financeira à falta de regulações rígidas durante os anos Bush, e a seguir vinculou McCain a essa abordagem.

"Eu certamente não culpo o senador McCain por esses problemas, mas culpo a filosofia econômica que ele subscreve", disse Obama a centenas de pessoas reunidas em um comício ao ar livre em Grand Junction, no Estado do Colorado.

Obama apresentou a sua abordagem geral quanto à questão da regulação financeira em março último, tendo proposto a regulação dos bancos de investimentos, corretores de hipotecas e fundos de hedge, de forma semelhante ao que ocorre em relação aos bancos comerciais. Ele disse ainda que enxugaria as agências reguladoras cujos trabalhos se superpõe, e que criaria uma comissão para monitorar as ameaças ao sistema financeiro e informar a Casa Branca e o Congresso.

Mas Obama também recorreu bastante a Wall Street para as doações eleitorais. Ele recebeu US$ 9,9 milhões de indivíduos ligados à indústria de securities e investimentos, US$ 3 milhões a mais do que McCain, segundo o Center for Responsive Politics, um grupo de fiscalização da política. Entre os seus assessores há alguns pesos-pesados de Wall Street, incluindo Robert E. Rubin, o ex-secretário do Tesouro que atualmente é assessor graduado do Citigroup, uma outra firma que está sendo castigada pela crise financeira.

Se muitos eleitores estão atordoados com os acontecimentos que durante o último fim de semana obrigaram a Lehman Brothers Holdings Incorporation a pedir concordata e o Merrill Lynch & Company a ser engolido pelo Bank of America Corporation, o caos persistente em meio aos nomes mais respeitados das finanças financeiras - que ocorre após a recente intervenção governamental nos gigantes do setor das hipotecas Fannie Mae e Fredie Mac, bem como o fim do Bear Stearns Cos. - fez com que as suas ansiedades voltassem-se para a economia, a questão mais importante para o eleitorado.

Foi por isso que primeiro Obama e depois McCain apressaram-se a proferir as suas declarações na segunda-feira pela manhã, antes que a maioria dos norte-americanos tivesse chegado ao trabalho. Como em Wall Street e Main Street as corporações e os proprietários de imóveis estão olhando para Washington na esperança de ajuda, a situação é favorável a Obama e aos outros democratas, já que, segundo a filosofia deles, o governo é uma força promotora do bem e a regulação dos negócios é essencial. Mas McCain apresentou-se a muitos eleitores como um agente de mudanças, apesar da impopularidade do seu partido após anos de domínio em Washington, e a despeito das próprias posturas anti-regulação exibidas pelo candidato republicano nos últimos anos.

Na segunda-feira McCain não perdeu tempo em divulgar uma declaração pedindo "reformas amplas" para "substituir a colcha de retalhos ultrapassada e ineficiente da fiscalização reguladora em Washington e trazer transparência e responsabilidade a Wall Street". Mais tarde a sua campanha anunciou uma nova propaganda televisiva chamada "Crise", que começa da seguinte forma: "A nossa economia está em crise. Somente os reformadores comprovados John McCain e Sarah Palin são capazes de dar um jeito nisso. Regras mais duras para Wall Street a fim de proteger as suas poupanças".

A reação de McCain indica como o pêndulo inclinou-se, fazendo com que a regulação governamental passasse a ser vista de maneira politicamente mais favorável, à medida que a economia sofria golpes adicionais. Embora as suas atuações nas questões econômicas tenham sido muito pequenas durante os mais de 25 anos em que está no Congresso, McCain sempre defendeu a linha do Partido Republicano em relação a essa área.

No início de 1995, depois que os republicanos assumiram o controle sobre o Congresso, McCain promoveu a idéia de uma moratória das regulações federais de qualquer tipo. Ele disse na época que as regulações excessivas estavam "destruindo a família e o sonho norte-americanos" e afirmou que os eleitores desejavam "o fim dessas regulações". A tentativa de impor a moratória fracassou.

"Sempre fui favorável a menos regulações", disse ele em março passado ao "Wall Street Journal". "Mas tenho consciência de que há uma visão segundo a qual existe a necessidade de fiscalização governamental em situações como a crise dos empréstimos subprime, o problema que tomou conta de Wall Street neste ano. Mas, fundamentalmente, sou um eliminador de regulações". Mais tarde, ainda em março, ele fez um discurso sobre a crise imobiliária no qual defendeu menos regulação, afirmando: "A nossa abordagem quanto ao mercado financeiro deve incluir o encorajamento de mais capitalização nas instituições financeiras com a remoção de impedimentos de natureza regulatória, contábil e fiscal à captação de capital".

Mas em determinados momentos durante a campanha presidencial McCain exibiu uma faceta menos ideológica. Conforme fez na segunda-feira, ele refere-se de quando em vez com um tom populista às grandes corporações e instituições financeiras, e apresenta-se como um reformador no estilo de Teddy Roosevelt. McCain apoiou a decisão de Bush de intervir no Fannie Mae e no Freddie Mac, os gigantes do setor de hipotecas, e disse ter sido inevitável a promessa de fornecimento de dinheiro do contribuinte para ajudar a conter a crise financeira.

Além de Gramm, que como presidente do Comitê do Setor Bancário no Senado, antes de deixar o Congresso em 2002, trabalhou no sentido de bloquear as tentativas de enrijecer as regulações financeiras, o assessor mais próximo a McCain nas questões relativas a Wall Street é John Thain, o diretor-executivo do Merrill Lynch. Ao contrário de Gramm, Thain tem a reputação de ser um republicano pragmático, não ideologizado e moderado. O fato de esses dois serem conselheiros próximos de McCain condiz com o seu conjunto pequeno e eclético de assessores, o que torna difícil fazer generalizações quanto à forma como ele atuaria caso se elegesse presidente.

Obama também não tem muitos registros de atuações quando se trata de regulação financeira. Como senador em primeiro mandato, ele não participou dos grandes debates dos anos recentes, e os oito anos em que atuou como senador estadual em Illinois não lhe proporcionaram muitas oportunidades para atuar nessas questões.

Entretanto, em março de 2007, ele advertiu a respeito da crise imobiliária que estava por vir, e um ano depois, em um discurso em Manhattan, Obama delineou seis princípios para reformar as regulações financeiras.

Na segunda-feira ele afirmou que a nação está enfrentando "a mais grave crise financeira desde a Grande Depressão", e responsabilizou as políticas não intervencionistas adotadas pela Casa Branca republicana. Obama afirmou ainda que McCain daria continuidade a tais políticas.

Procurando divulgar as preocupações de Obama, a sua campanha anunciou que o senador democrata participou no início da segunda-feira de uma teleconferência sobre a crise com o ex-presidente do Fed, Paul Volcker, Rubin e um outro ex-secretário do Tesouro, Lawrence Summers, além de outros assessores econômicos. Segundo a sua campanha, durante a conferência, eles discutiram a situação dos mercados financeiros.

Mais tarde, citando as observações de McCain a respeito da suposta robustez dos fundamentos da economia, ele disse a uma multidão no Colorado que McCain "não entende o que está acontecendo entre a montanha em Sedona, onde ele mora, e os corredores do poder, onde ele trabalha".

Um motivo pelo qual ambos os candidatos não têm uma história notável no campo dos problemas financeiros é o fato de nenhum dos dois ter integrado o Comitê do Setor Bancário no Senado, que fiscaliza esta indústria o os seus reguladores. Sob a liderança de ambos os partidos, o comitê foi com freqüência uma verdadeira sepultura para as propostas repudiadas pelos lobistas das instituições financeiras, incluindo as gigantes do setor de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, que na semana passada sofreram intervenção do governo.

O sucesso dos lobistas do setor em liquidar tais regulações significou que os senadores que não faziam parte do comitê do setor bancário, incluindo McCain e Obama, não tiveram que assumir uma posição quanto ao assunto.

Fonte: UOL/The New York Times

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