domingo, 1 de junho de 2008

O El Dorado peruano ainda é para poucos

O país acumula sete anos de crescimento, mas 42,5% da população ainda vive na pobreza. O desencanto com a divisão desigual da riqueza alimenta os políticos populistas

O Peru vive um estado inédito de euforia econômica. É o resultado de quase sete anos de crescimento sem interrupção e com taxas que estão entre as mais altas da América Latina. Em 2007, o produto interno bruto (PIB) cresceu 8,3%; em 2008, apesar das turbulências internacionais, a previsão é de que aumente 6%. O problema é que, ainda que os números falem de um país que prospera, nem todos se beneficiam na mesma medida: a taxa de pobreza diminuiu apenas seis décimos em sete anos e ainda afeta a 42,5% da população. O fantasma de uma candidatura populista e ultranacionalista para as eleições gerais de 2011, como a de Ollanta Humala em 2006, continua assustando.

Os centros comerciais se multiplicam nos bairros populosos de Lima, e também chegam a cidades do interior do país onde, até há pouco tempo, não existiam instalações desse tipo. Eles são um símbolo do crescimento econômico, assim como as exportações que estão alcançando números recordes e o crescimento anual de 15% do pujante setor de construção. Na cúpula recente UE-América Latina, que aconteceu em Lima, o presidente Alan García lançou como desafio "superar o Chile", seu antagonista histórico, considerado um modelo de desenvolvimento econômico na região.

Está não foi a única proposta ambiciosa que se ouviu na capital peruana nos últimos dias. A pedido do presidente, o chefe do Instituto Peruano de Esportes disse na semana passada que o país deveria se preparar para sediar uma Olimpíada. "Não se trata de nenhuma piada. O Peru tem capacidade competitiva", disse a ministra do Comércio Exterior, Mercedes Aráoz, aos que pensavam se tratar de um delírio.

O otimismo é compartilhado pelos especialistas. "Este crescimento não é resultado de um acidente, não é uma bolha; é a maturação de uma série de fenômenos que começaram a ser gestados no começo dos anos 90. A mudança nas regras do jogo, as privatizações, a estabilidade macroeconômica, a abertura à economia mundial... tudo isso está dando seus frutos", diz Daniel Córdova, decano da Faculdade de Economia da Universidade Peruana de Ciências Aplicadas.

Destaca-se sobretudo que acontecimentos como a crise hipotecária dos Estados Unidos, a escalada dos preços do petróleo ou a complicada relação com outros governos da região que abraçaram propostas populistas próximas ao chavismo não tenham freado, pelo menos aparentemente, o avanço da economia peruana. "Há razões para ser otimista, não há números que nos digam que pode haver um recuo, temos pelo menos mais dois anos de crescimento", acrescenta Córdova.

Em consonância com a euforia, o governo está se mostrando disposto a gastar mais e se prepara para subir os salários dos funcionários públicos. Assim chega ao fim o período de austeridade que Alan García havia instituído para acabar com a imagem de frivolidade e gastos exagerados do executivo anterior.

Mas nem todos se beneficiam na mesma medida da bonança econômica, enquanto ressurge com força a possibilidade de uma candidatura populista para as eleições de 2011. "Já nos salvamos por uma margem estreita na eleição passada [em que Ollanta Humala concorreu] e é muito provável que nas próximas eleições se enfrentem novamente a parte do país que está indo muito bem e a que não", diz Eduardo Morón, diretor do Centro de Pesquisas da Universidade do Pacífico.

A taxa de pobreza média diminuiu de 49% para 44% da população desde 2000, segundo as estatísticas oficiais. O governo a situa agora nos 42,5%, longe do objetivo de 30% fixado para antes de 2011. As áreas mais beneficiadas pelo crescimento são Lima, a costa norte - onde floresce a agroexportação - e algumas regiões serranas que recebem os impostos das companhias de mineração. Mas em regiões como Huancavelica, na serra ao sul, cerca de 80% dos cidadãos continuam vivendo na pobreza.

Para atenuar a desigualdade, o governo acaba de anunciar um incremento de 700 milhões de sóis (cerca de 165 milhões de euros) ao orçamento para ampliar a cobertura dos programas de ajuda aos mais pobres. Também foram estabelecidas normas para facilitar a escritura e a negociação de terras na zona rural.

Eduardo Morón considera que a ênfase no social ainda não é suficiente. "A desigualdade está se reduzindo, ainda que num ritmo menor que o desejável", acrescenta Daniel Córdova. "A grande lição é que o crescimento e a redução da pobreza estão acontecendo principalmente por iniciativa empresarial."

Fonte: El País

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