quinta-feira, 26 de março de 2009

O novo tempo da insurgência latino-americana: a antiga guerrilha entra nos palácios de governo

O salvadorenho Joaquín Villalobos, estrategista da insurgente Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e fundador do Exército Revolucionário do Povo durante a guerra civil que sofreu seu país (1980-1992), não se preocupava tanto com morrer em combate quanto com envelhecer guerrilheiro.

Villalobos, 58 anos, ex-chefe da milícia mais ousada do FMLN, não chegará a velho empunhando as armas. Assim como boa parte da geração de revolucionários latino-americanos amparados pelos acordos de paz dos anos 1990, depois de longos e cruéis conflitos, o ex-guerrilheiro participa há tempo da política. O faz como pesquisador em Oxford e como consultor para a solução de conflitos internacionais.

Não poucos dirigentes daquela geração que subiu a serra ao grito de justiça social ocupam hoje conselhos administrativos, cátedras universitárias ou ministérios. O extremismo ideológico perdeu terreno ou se adaptou às exigências eleitorais com formatos de conveniência. Um grupo de ex-insurgentes integra os governos do Brasil e da Argentina, e outros dois são vice-presidentes na Bolívia e em El Salvador: Álvaro García Linera, ex-membro do Exército Guerrilheiro Tupac Kataren, e Salvador Sánchez, do FMLN. A ex-milícia urbana Tupamaros se mantém e prospera na coalizão governamental do Uruguai.

A vitória do FMLN em El Salvador no último dia 15, com o jornalista Mauricio Funes como presidente eleito, reforça, através da alternância no poder, o processo de normalização democrática da América Latina. O moderado Funes deverá conviver e conciliar-se com Sánchez Cerén, vulgo Comandante Leonel na guerra, de posições mais radicais.

"As mudanças que estão ocorrendo são consequência da virada democrática no continente. E creio que a democracia chegou para ficar", afirma Villalobos.

Centenas de jovens que se levantaram contra as ditaduras militares e os autoritarismos civis de quase meio século atrás, alguns com a idéia de substituí-los por totalitarismos de corte marxista, hoje perseveram por vias políticas diferentes, no seio das grandes correntes políticas regionais. "Temos a que é manifestada por Chávez, Nicarágua, Bolívia e Equador, e outra, mais à centro-esquerda, que tem seu pilar no Chile, Brasil e Uruguai. A Argentina tem um pouco das duas", segundo Villalobos. "Em El Salvador ainda não sabemos, porque pode haver um conflito entre o presidente eleito e o partido", o FMLN.

Para Carlos Malamud, analista do Real Instituto Elcano, as progressivas transformações registradas na América Latina permitiram a convivência, e às vezes a convergência, de antigos inimigos. A teoria de que algumas oligarquias perenes, nascidas há 500 anos, continuam governando alguns países não consegue convencê-lo. "Eu vejo mais uma renovação constante das elites", diz. E apesar do relatório do Banco Mundial alertando para as consequências da atual crise financeira global, 6 milhões de novos pobres na América Latina, Malamud não considera possível que a eventual legião de desesperados aposte na ressurreição das guerrilhas. "Não há espaço nem apoio. Quem vai apoiar uma aventura desse tipo? Cuba já não está nisso, e a Venezuela viu que é mais rentável ir pela via democrática, apesar de depois Chávez fazer o que tem vontade."

Fonte: El País/UOL

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