segunda-feira, 27 de julho de 2009

Termo 'brasiguaio' é simplista e defasado, diz pesquisadora

Para a antropóloga Marcia Sprandel, grupo não é híbrido e homogêneo.
Paraguai tem o segundo maior grupo de brasileiros imigrantes.

Os imigrantes brasileiros no Paraguai, a maioria deles localizados na região da fronteira entre os dois países, acabam muitas vezes presos num termo simplista e que não explica exatamente a situação em que vivem. Os “brasiguaios”, como ficaram conhecidos desde os anos 1970, quando começaram a entrar no território do país vizinho, já se encontram em sua terceira geração, segundo a antropóloga Marcia Anita Sprandel, e formam um grupo variado e heterogêneo, que não pode ser descrito de forma tão incompleta.

“A representação dos brasiguaios ao longo do tempo se prendeu no que foi reportado nos anos 1970, como se nada tivesse mudado, mas, internamente, as situações dos brasileiros são bem variadas e heterogêneas”, disse, em entrevista ao G1, por telefone. Os brasileiros da fronteira atual, segundo ela, não gostam dessa denominação, e os parentes daqueles, os “brasiguaios” originais, que acamparam na região da fronteira, preferem se assumir brasileiros ou paraguaios. “Não são uma coisa híbrida. Já há duas gerações desde a formação desse grupo de fronteira, então o sentimento de pátria é diferente daquele de quase quatro décadas atrás.”


Pesquisadora do Grupo de Trabalho de Imigrações Internacionais da Associação Brasileira de Antropologia, trabalhando com políticas públicas de imigração, Sprandel reclama contra a simplificação deste personagem político. Enquanto no Brasil ele é visto como sofredor, responsável pelo progresso da região, mas sem apoio do governo do país, no Paraguai ele é apontado como vilão, imperialista e responsável pela expulsão dos camponeses nativos. “Não é tão simples assim. A situação dos brasileiros é variada, em diferentes regiões, e eles têm uma relação normal de cidadão com seus governantes.”

Diáspora


A comunidade de brasileiros que vivem no Paraguai é maior de que a de muitas capitais brasileiras. Segundo estimativas de postos consulares do Ministério de Relações Internacionais, o número de imigrantes no vizinho é de 487.517, mais de que a população de Vitória (ES), de Florianópolis (SC), e de Cuiabá (MT). E o número pode ser ainda maior, passando de 515 mil pessoas.

Segundo Sprandel, entretanto, tratar a situação dos brasileiros no Paraguai da mesma forma como os que vivem nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, é um equívoco. Quando os brasileiros começaram a sair do país para ir viver no Hemisfério Norte, nos anos 1980, explicou, eles eram pessoas de classe média e classe média baixa em busca de melhores oportunidades e de qualidade de vida. Foi então que surgiu a categoria de brasileiros no exterior, que se mobilizou em busca de direitos. Quando o governo e a academia começaram a admitir a existência dessa esta categoria, os brasileiros no Paraguai entraram nela automaticamente.

“O problema é que a situação dessa comunidade no país vizinho é completamente diferente, não tem a característica de um grupo de pessoas que buscou imigrar, buscar a vida no exterior. A maior parte desses brasileiros foi entrando no território paraguaio no caminho natural em busca de terra. É uma situação bem particular, mas politicamente tratada como imigração internacional. O problema é que enfrentar isso não é simples. Seria preciso fazer um censo, uma estimativa mais exata de quem são e quantos são os brasileiros que vivem lá, para fazer uma política pública em conjunto com o governo paraguaio.”

Subimperialismo e respeito


Apesar de não aceitar a simplificação, Sprandel acha que é importante que o Brasil dê atenção aos argumentos paraguaios para os problemas gerados pela imigração na região da fronteira. Segundo ela, a ideia propagada pelos intelectuais paraguaios, com um discurso contrário à atuação do Brasil no país, é de “subimperialismo”.

“O desrespeito ao Paraguai é muito grande, especialmente quando contrastando com a relação do Brasil com outros países, como a Bolívia e o Equador. O Paraguai é um país importante para o Brasil, e é preciso respeitar e apoiar o país, tentando entender a situação desses brasileiros que se tornam paraguaios. Não podemos ser maniqueístas e achar que o brasileiro é brasileiro puro que acaba sofrendo as dificuldades do Paraguai.”

Ela propõe que os brasileiros imaginem uma situação contrária: se houvesse 500 mil argentinos vivendo dentro do Rio Grande do Sul. “Mesmo que já fossem três gerações, também teríamos um sentimento nacionalista forte, ainda mais se eles tivessem um forte poder econômico. Temos que nos colocar no lugar deles, que pensar sobre esta situação.”

Para a antropóloga, os brasileiros que vão morar no Paraguai lidam melhor com isso, respeitam mais o Paraguai. “A relação entre os dois povos envolve um certo estranhamento, mas é um encontro rico, que pode dar certo. A situação entre brasileiros e paraguaios é cheia de nuances, não é preto no branco. É preciso observar a relação deles com o governo, com o Estado, com o sentimento de pátria, para entender como funciona. Não é uma questão de preconceito, que existe em todo lugar, mas uma questão de identidade, e como isso se reflete no cotidiano dessas pessoas.”







Fonte: G1

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